“Não sou escrava/ nem sou objeto
Para se fazer de mim o que bem quer
Não tenho dono/ não sou propriedade
Eu quero liberdade/ me deixa ser mulher“
O trecho acima é da música Apelo de Mulher, um dos cantos de luta levados às ruas do estado da Paraíba durante a Marcha Pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, que acontece no dia 12 de março. O evento chega à décima primeira edição neste ano e traz como tema o feminicídio – assassinato de mulheres em razão do gênero.
A agricultora e líder sindical Maria do Céu Silva é uma das mulheres que estarão em marcha pelo fim das formas de violência de gênero e por uma agroecologia plena e transformadora.
“É a partir desse olhar de todas nós, mulheres do campo, agricultoras, diretoras de organizações, que a agroecologia acontece. Para a agroecologia acontecer, é preciso que não haja violência. Costumamos dizer no nosso movimento que se tem violência na vida das mulheres agricultoras, trabalhadoras rurais, não tem Agroecologia”, afirma Maria do Céu, que mora em Solânea (PB).
Desde 2009, a Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia reúne mulheres do território da rede do Polo Sindical da Borborema, que contempla 13 sindicatos de trabalhadoras e trabalhadores rurais, 150 organizações comunitárias e uma organização regional. A realidade de feminicídios e outras formas de violência de gênero foi o mote para a afirmação da Marcha.
“As mulheres são protagonistas da Agroecologia. São elas que vêm passando de geração em geração os conhecimentos ancestrais, que vêm se organizando e desenvolvendo novas práticas. E toda essa energia, esse potencial de transformação é ameaçado pela misoginia que mata mulheres diariamente. É preciso mudar essa realidade. É por isso que marchamos todos os anos”, destaca Nirley Andrade, que atua na organização AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia no estado da Paraíba.
O ato desta edição vai percorrer as ruas do município de Esperança, um dos 13 que fazem parte da rede do Polo da Borborema e da área de atuação da organização AS-PTA.
A mobilização, porém, não se resume a um único dia de ato público. Há também um processo de formação e estímulos para a valorização dos direitos das mulheres. Nirley Andrade destaca que a saída para as ruas é o ápice de todo um processo que acontece durante o ano.
“Esses processos de formação têm ajudado as mulheres a saírem de relações violentas. As mulheres passaram a transformar suas relações em relações mais justas, passaram a desenvolver a sua autoestima, seus espaços nas suas propriedades, nas suas experiências, passaram a desenvolver a sua autonomia financeira. Hoje, nas feiras agroecológicas, por exemplo, são mulheres que estão lá vendendo seus produtos. Mulheres que estão em espaços coletivos, estão nos fundos rotativos solidários e nas associações”, pontua Andrade.
A constante troca de experiências e articulação entre mulheres na região do Polo da Borborema está transformando também as instituições locais. A organização da Marcha cita como exemplo a influência do feminismo dentro dos espaços sindicais, além de novas perspectivas durante as atividades de assessoria técnica nas comunidades.
“A Agroecologia é um modo de vida baseado no respeito, na diversidade, na liberdade de escolha, de plantar e de colher. Então a Marcha tem todo esse significado e importância na vida das mulheres”, analisa Márcia Araújo, diretora do Sindicato Rural de Lagoa Seca e representante do Movimento de Juventude Camponesa.
Ao mesmo tempo das transformações reconhecidas, a Marcha pauta também desafios que fazem parte da realidade do interior da Paraíba, do Brasil e de muitos lugares pelo mundo.
Além dos dados sobre feminicídio, o movimento se baseia na agroecologia contra a desigualdade nas condições de trabalho entre homens e mulheres, as diversas formas de crimes sexuais e as condições de acolhimento às vítimas de violência.
“A Marcha é vida, e a gente luta por isso, para que tenha uma delegacia de mulheres, para que ela [a mulher] seja bem acolhida, bem tratada [em caso de relatos e denúncias de violência]. Porque vemos casos de mulheres que denunciam, mas vão para a delegacia junto com o marido, e isso é ruim. Então, é pela vida das mulheres e pela agroecologia que estamos nos fortalecendo cada dia mais e lutando pelo direito de cada mulher que sofre com a violência”, ressalta Araújo.
A expectativa para este ano de 2020 é de participação de cerca de seis mil mulheres. A cantora Lia de Itamaracá também confirmou presença na Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia.