FÁBIO PUPO E THIAGO RESENDE
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A forma de financiar o programa social Renda Brasil e atender a população vulnerável após o fim do auxílio emergencial segue indefinida, a menos de dois meses para o fim do ano. Com isso, governo e aliados preveem iniciar 2021 sem o substituto do Bolsa Família.
Nesta terça-feira (10), o ministro Paulo Guedes (Economia) sinalizou que o programa pode nem ser lançado no próximo ano, ao dizer que um avanço sobre o tema ocorrerá mais cedo ou mais tarde “ainda neste governo”.
Guedes deu a declaração durante encontro virtual promovido pela agência de notícias Bloomberg e reconheceu a possibilidade de usar outro mecanismo para atender a população em 2021em caso de necessidade, o auxílio emergencial. Mas o instrumento só voltaria a ser pago com uma nova onda do coronavírus.
Há menos de um mês, Guedes já havia dito que seria melhor manter o programa da era Lula se não fosse encontrado espaço fiscal. “É melhor voltar para o Bolsa Família do que promover um programa irresponsável”, afirmou em outubro.
A visão é semelhante fora da pasta.
Representantes do Ministério da Cidadania, responsável pelo programa, já trabalham com a ideia de haver apenas uma expansão limitada do Bolsa Família no ano que vem com um orçamento não tão grande como seria no caso do Renda Brasil.
Mas, mesmo com uma expansão mais modesta, ainda haveria dificuldades. Considerando um acréscimo de 3 milhões de famílias ao programa criado na era Lula (número mencionado por envolvidos nas discussões recentemente), seriam necessários R$ 49,5 bilhões ao ano.
O montante representa R$ 17,5 bilhões a mais que o orçamento atual do Bolsa Família, que atende hoje cerca de 14 milhões e deve atender 15,2 milhões com o orçamento já previsto para 2021.
A opção por uma expansão limitada no Bolsa Família vai na direção contrária da ideia original do Renda Brasil, um programa que não só substituiria o nome associado à gestão petista mas também englobaria diferentes iniciativas, desde a infância até o início da vida adulta do indivíduo.
Para estruturá-lo, técnicos do governo planejavam usar recursos da revisão de outros programas sociais, como o abono salarial, mas isso foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro.
Na ocasião, Bolsonaro se mostrou irritado com as propostas veiculadas na imprensa e disse que não se falaria mais em Renda Brasil.
“Até 2022, no meu governo, está proibido falar a palavra Renda Brasil. Vamos continuar com o Bolsa Família. E ponto final”, afirmou há aproximadamente dois meses.
Mesmo assim, membros do governo continuaram a tratar do programa com aval de Bolsonaro. Mas, desta vez, usando o nome Renda Cidadã, o que gerou uma confusão nas nomenclaturas.
Isso porque Renda Cidadã era, na proposta original, apenas um dos quatro eixos do Renda Brasil e representava justamente a ação próxima ao atual Bolsa Família (com pagamentos condicionados a matrícula escolar e vacinas em dia).
O plano do Renda Brasil representaria uma mudança mais ampla, com ações voltadas também à primeira infância, prêmios por mérito ao aluno e emancipação –este, com medidas de emprego, como o programa Carteira Verde e Amarela e regras trabalhistas flexíveis.
Coube ao senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator de duas PECs (propostas de emenda à Constituição) voltadas à reforma fiscal, tentar encontrar os recursos.
Bittar deve inserir na PEC Emergencial uma menção genérica com o espírito original do Renda Brasil, determinando que a União vai criar um programa social com previsão de atender primeira infância, gestantes, crianças no período escolar e outras frentes. Mas não haverá prazo para a iniciativa sair do papel, o que deixa o calendário em aberto.
O formato final da PEC e a forma de financiar o programa ainda não reuniram consenso entre as lideranças. “A eleição contaminou [o debate] e eu, sozinho, não sou ninguém. O consenso vai ter que ser construído depois da eleição”, afirmou Bittar à reportagem.
Bittar chegou a anunciar o plano de usar recursos do Fundeb (fundo da educação) e dinheiro destinado ao pagamento de precatórios (dívidas do poder público reconhecidas pela Justiça) para o programa, mas a proposta assustou analistas e investidores por significar descumprimento de compromissos.
Depois das críticas, a proposta foi abandonada e Bittar passou a ressaltar que o programa cumprirá o teto.
Como a proposta de Orçamento do ano que vem já está no limite da norma constitucional que impede o crescimento real das despesas, a criação do programa segue como um desafio que governo e aliados ainda não resolveram.
O Ministério da Economia chegou a formar uma equipe com economistas para elaborar propostas que viabilizassem a reformulação do Bolsa Família, mas a equipe foi desfeita há cerca de um mês.
As discussões estão paralisadas em meio às eleições.
Diferentes envolvidos relatam um cenário de total indefinição e de dificuldade no debate do programa. É ressaltado que as decisões precisam ser combinadas com diferentes atores, como os ministérios da Economia e da Cidadania e o próprio Palácio do Planalto.
O futuro do plano do Renda Brasil depende ainda do avanço de projetos legislativos no Congresso, principalmente os que abrem espaço no Orçamento. Essas medidas, porém, sofrem resistência e têm uma tramitação lenta na Câmara e no Senado.
Um exemplo é a própria PEC Emergencial, que barraria o crescimento de diferentes despesas e possibilitaria o corte de 25% de jornada e salário de servidores. Ela completou um ano em tramitação no Congresso sem aprovação.
Outros textos que definem o rumo das contas públicas no ano que vem também aguardam aprovação. Estão à espera de definição o PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias), que está desde abril em tramitação, e o PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual).
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse neste mês que o entrave do Renda Brasil está na falta de definição do Executivo. “O problema está na decisão. Por enquanto, nenhum de nós tem certeza do que o governo vai fazer”, afirmou.
Com Folhapress