O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pediu uma chamada telefônica com o líder chinês Xi Jinping para fazer um apelo pela liberação de insumos para a fabricação de vacinas contra a Covid-19.
De acordo com interlocutores que acompanham as negociações, o presidente orientou que o Itamaraty fizesse os trâmites para solicitar a conversa com as autoridades em Pequim.
O Palácio do Planalto está apreensivo com os atrasos na liberação de matéria prima para a fabricação de insumos para vacinas contra o coronavírus, que podem atrasar ainda mais o cronograma de imunização.
O tema é hoje um dos principais focos de preocupação no Planalto e a avaliação é que era preciso tentar um contato de alto nível. Pessoas que acompanham o tema disseram que ainda não é possível dizer se o telefonema será realizado.
A tentativa da chamada ocorre também diante da análise de que a interlocução do ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) está desgastada com a embaixada da China em Brasília devido aos posicionamentos adotados pelo chanceler.
Embora tenha começado a campanha de imunização com a Coronavac — desenvolvida por uma farmacêutica chinesa em parceria com o Instituto Butantan —, o Brasil corre o risco de ficar sem matéria prima para a produção das doses necessárias para os próximos meses.
Os insumos são produzidos na China e as dificuldades encontradas também ameaçam a Oxford/AstraZeneca, vacina que no Brasil deve ser fabricada pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). O tema tem mobilizado auxiliares de Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), adversário do Planalto que tem sido protagonista no esforço de imunização.
Nesta quarta-feira (20), Ernesto, um dos principais expoentes da ala ideológica do governo, negou que problemas de “natureza política” estejam interferindo no fornecimento de insumos para vacinas contra a Covid-19 pela China e disse que os obstáculos identificados são causados pelo excesso de demanda.
Ele disse ainda que, no momento, não é possível estabelecer prazos para a chegada da matéria prima da China ou para a entrega de doses prontas do imunizante que o país tenta importar da Índia.
“Nós não identificamos nenhum problema de natureza política em relação ao fornecimento desses insumos provenientes da China”, declarou o ministro, que participou nesta quarta-feira (20) de uma reunião informal de uma comissão parlamentar que acompanha a crise do coronavírus.
“Nem nós no Itamaraty aqui de Brasília, nem a nossa embaixada Pequim, nem outras áreas do governo identificaram problemas de natureza política, diplomática. Não identificamos nenhum percalço nesse sentido.”
“Em relação aos insumos provenientes da China, também não é possível falar de prazo nesse momento. Claro que a gente está trabalhando e todo o governo federal… para que o prazo seja o mais breve possível”, acrescentou.
O governo brasileiro também tem discutido com autoridades indianas a divulgação de um comunicado público no qual o país asiático garanta que as doses da vacina de Oxford serão enviadas ao Brasil no curto prazo.
Segundo relatos feitos à reportagem, nos últimos dias negociadores do governo entraram em contato com diplomatas indianos para solicitar uma posição que arrefeça o mal-estar criado com a demora no envio de imunizantes contra o coronavírus.
A avaliação entre auxiliares do presidente Bolsonaro é que os sucessivos adiamentos na liberação da carga têm gerado desgaste para o Palácio do Planalto, que apostava na importação para o dar o pontapé na campanha de imunização no Brasil. Uma cerimônia estava sendo preparada para o ato, mas acabou desmobilizada diante do fracasso da operação.
Algum tipo de compromisso público da Índia é visto por aliados de Bolsonaro como uma forma de ao menos reduzir os danos políticos que o atraso tem causado.
Interlocutores no Planalto têm a expectativa de que o envio dos 2 milhões de doses ocorra na próxima semana, mas outros envolvidos nas negociações têm previsões menos otimistas.
Eles apontam que as autoridades indianas ainda não deram sinalização de que a entrega possa ocorrer ainda neste mês.
Analistas indicam que a as recorrentes ofensas contra a China disparadas pelo presidente brasileiro e por seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), podem estar criando problemas nas conversas diplomáticas para desobstruir as negociações.
O próprio Araújo saiu em defesa de Eduardo em uma troca pública de críticas entre o parlamentar e o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming.
Diplomatas ouvidos disseram que não é possível determinar se as dificuldades para a autorização dos insumos são uma resposta às declarações anti-China do governo Bolsonaro. Mas destacaram que é inquestionável que o atual clima político “no mínimo” não ajuda nas conversas.
Na conversa com parlamentares nesta quarta, Ernesto afirmou que a avaliação do Itamaraty é que existe um problema de demanda “muito grande por esses insumos”.
“Acho que todos os países, praticamente, estão no processo de vacinação. Temos presente que outros países que precisam importar esse insumo da China estão basicamente na mesma situação, ainda não receberam as entregas”, complementou.
O chanceler negou em mais de uma vez que questões políticas estejam interferindo. “Eu queria mencionar mais especificamente a esse respeito, mostrando que não há nenhum problema político na relação com a China. Queria reiterar: nós temos uma relação madura, construtiva, muito correta e tranquila com a China.”
Pressionado pelas críticas pela ameaça de atraso no cronograma, o governo mobilizou três ministros para conversar com o embaixador chinês. Participaram da conferência telefônica nesta quarta os ministros Eduardo Pazuello (Saúde), Tereza Cristina (Agricultura) e Fábio Faria (Comunicações).
“O governo federal vem tratando com seriedade todas as questões referentes ao fornecimento de insumos farmacêuticos para produção de vacinas (IFA). O Ministério das Relações Exteriores, por meio da embaixada do Brasil em Pequim, tem mantido negociações com o Governo da China. Outros ministros do Governo Federal têm conversado com o Embaixador Yang Wanming.”
O comunicado do Planalto ressaltou que o governo “é o único interlocutor oficial com o governo chinês”, numa declaração entendida como uma resposta ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
O deputado também teve conversa com Yang nesta quarta para tratar da autorização de venda dos insumos. Após o encontro, ele disse que os atrasos ocorrem por razões “técnicas” e não políticas.