Foram 19 meses, 9 parcelas, várias prorrogações, muitas dúvidas, aplicativos, filas. Mas neste domingo, quando a Caixa Econômica Federal (CEF) depositar a última parcela aos trabalhadores nascidos em dezembro, chega ao fim o Auxílio Emergencial.

A ajuda, essencial para milhões de brasileiros durante os meses de crise aguda provocada pela pandemia do coronavírus, foi ‘minguando’ ao longo dos meses. De parcelas de R$ 600 a 67 milhões de pessoas, atendeu no último mês 25 milhões, com parcelas de R$ 200.

Parte desses 25 milhões deverá passar a receber o Auxílio Brasil a partir de novembro. Mas para pelo menos 22 milhões, toda ajuda acaba – e fica a incerteza de como sobreviver, se alimentar e pagar as contas, em um país empobrecido e com quase 14 milhões de desempregados.

Para elas, o fim do programa traz o medo da fome e o aumento do endividamento. A alta dos preços, principalmente dos alimentos, e a falta de perspectivas para conseguir um emprego agravam ainda mais a situação.

“Já estamos em desespero há muito tempo”. É assim que a dona de casa Luciana Nunes, de 50 anos, resume o que tem vivido desde que passou a receber R$ 250 de auxílio em abril deste ano.

No ano passado, tanto ela quanto uma de suas filhas recebiam o benefício. Foram cinco meses ganhando R$ 1,2 mil. Juntando com a aposentadoria por invalidez do marido, a renda da família dobrou. Com isso, ela conseguia pagar as contas em dia e até passou a consumir produtos que não tinha condições de comprar, como cremes, maquiagens, remédios, roupas e calçados.

Mesmo quando o valor ao auxílio foi reduzido pela metade em setembro, os R$ 600 que as duas colocavam em casa ainda ajudavam bastante a família, que mora em Iguatu (CE).

Mas, a volta do auxílio em abril deste ano trouxe novas regras e reduziu novamente o valor. Com isso, a filha perdeu o direito ao benefício e a família só contava com os R$ 250 mensais.

“O problema é que o valor do auxílio caiu bem quando os preços explodiram. As coisas básicas como alimentação, conta de luz e gás aumentaram consideravelmente. Estamos consumindo a mesma quantidade de energia e pagando o dobro”, conta Luciana.

Além disso, eles acabaram se endividando no cartão de crédito para pagar as compras do supermercado. “Estamos muito, mas muito endividados. A gente compra no cartão, parcela a fatura e não sobra nada de dinheiro”, diz.

Quando recebia R$ 1,2 mil do auxílio, a família conseguia guardar pelo menos 10% da renda. E era possível colocar vários tipos de carne na mesa, incluindo de primeira. Mas, agora a realidade é outra.

“Há um bom tempo não estamos comendo mais carne. Não estamos passando fome, mas é o que mais estamos temendo”, lamenta Luciana.

Ela e as duas filhas, de 21 e 27 anos, estão tentando arrumar algum trabalho. “Mas aqui é difícil conseguir até um bico. Está todo mundo sem dinheiro e a cidade é pequena”.

Segundo a dona de casa, o auxílio era essencial para pagar as contas da casa. Com o fim do benefício, Luciana terá de se virar com a aposentadoria do marido que, segundo ela, é baixa.

“Simplesmente não sabemos o que vamos fazer porque esse dinheiro vai fazer falta. Só de pensar bate uma agonia”.

Com a pandemia, a dona de casa Silmara Margutti, 29 anos, e seu marido ficaram sem emprego. Foi o dinheiro do auxílio emergencial que segurou as despesas da família, que mora em Monte Alto (SP), durante um ano e meio.

Silmara viu o valor do auxílio encolher – começou em R$ 600 no ano passado até cair para R$ 150 neste ano –, mas ainda assim o dinheiro foi a única garantia de renda na casa, já que o marido é pedreiro e nem sempre consegue trabalho. A última parcela do benefício foi paga neste mês.

“Apesar de ter diminuído muito, era um valor que caía todo mês e ajudava a pagar as contas”, diz.

Há duas semanas, Silmara foi morar numa casa que seu pai cedeu para sua família. Isso deve aliviar um pouco as despesas. O problema é que, com a pandemia, Silmara e o marido ficaram sem trabalho e não conseguiram pagar as contas nem o aluguel da casa onde moravam. Agora as dívidas se acumularam.

“Foi o auxílio que segurou as nossas despesas no ano passado, mas, mesmo assim, não deu pra pagar tudo. Eu tenho vergonha de ficar devendo, mas a gente não tinha outra renda”, conta.

Silmara conta que chegou a contar com doações de cestas básicas para ter comida em casa. Ela não consegue comprar carne há bastante tempo. “Compro mais salsicha, ovo e alguns legumes, que é mais barato”.

Silmara começou a fazer churros para fora, mas teve que parar porque ela não tem os R$ 200 necessários para comprar uma peça da fritadeira que quebrou.

A dona de casa conta que desde o começo da pandemia não comprou mais roupas nem sapatos para as filhas, que têm 6 e 13 anos, e eles nunca mais comeram pizza.

“Ver minhas filhas pedir roupas e sapatos e não ter condições de comprar me machuca muito. A gente ia quase toda semana em pizzaria com elas. Agora a gente só pensa nas prioridades, que são as contas e a comida, e nisso já vai tudo que a gente ganha”.

Com o fim do auxílio, ela reza para que marido consiga trabalho fixo. “Sem esse dinheiro vai ficar muito complicado. Ele garantia nossa alimentação e pagava parte das contas”, afirma.

O sonho de reabrir a lanchonete de hot dog gourmet que eles tinham em Cajoti (SP) está cada vez mais distante. “A gente se mudou bem quando começou a pandemia. Mas ainda tenho esperança”.

‘Ajuda quem está desempregado’

Para Juliana Cerqueira Santana, de 19 anos, vai ser muito difícil viver sem o dinheiro do auxílio emergencial.

“O auxílio me ajuda muito. Com o dinheiro, tenho condição de comprar alimento e gás”, afirma Juliana. “É uma ótima ajuda para quem está desempregado”, diz.

Com dificuldade para encontrar trabalho, ela deixou a casa da mãe em São Francisco do Conde e se mudou para Salvador, na Bahia, onde mora com o pai. “Pela dificuldade de encontrar um emprego (na cidade da minha mãe), comecei a morar com o meu pai.”

Seu último trabalho foi em 2019 como ajudante num restaurante. Hoje, ela cursa o último ano do ensino médio e planeja ser engenheira. Desde que ficou desempregada, diz que o que mais fez foi entregar currículo.

“Você chega com um currículo e sempre dizem que vão te ligar, mas nunca ligam ou mandam mensagem”, conta. ” E, agora, vai ser mais complicado. Estava pensando em começar um curso técnico e o dinheiro do auxílio poderia ajudar bastante.”

‘Não sei como vou me virar’

Cibele da Silva, 32 anos, estava em contagem regressiva para receber a última parcela do benefício, em 30 de outubro.

“Não sei como vou me virar. É um dinheiro que entra para comprar o gás de cozinha”, diz Cibele, moradora de Belford Roxo. “O gás está custando R$ 110.”

Cibele foi beneficiária do auxílio emergencial desde que o programa começou, no ano passado. Com a renovação, passou a receber R$ 375.

“Também usava o dinheiro para comprar remédio para o meu filho mais novo, de três anos. Ele está doente já tem um mês mais ou menos. Eu estou tendo de comprar remédio porque a farmácia do posto de saúde não tem o medicamento que ele precisa. Esse dinheiro salva a gente.”

Além do filho de três anos, Cibele mora com o marido e com outro filho de 12 anos.

Agora, sem o auxílio, a família de Cibele só terá a renda do trabalho do marido. Ele é informal e recebe um salário mínimo.

“Eu até converso com meu marido. Falo que, quando a gente for comprar gás de novo, sem o dinheiro do auxílio, vamos ter de parcelar em três, quatro vezes.”

‘A gente come por causa de doações’

Maria Elza Reis Gomes, de 57 anos, está lutando para arrumar um trabalho porque o auxílio emergencial vai acabar. Neste mês, ela recebe a última parcela de R$ 250.

Além de diarista e cuidadora de idosos, ela já trabalhou com eventos e como ajudante geral. “Nem roupa pra passar aparece. Pelo menos consegui arrumar uma faxina por mês que paga R$ 150, mas só isso não dá”, diz.

Moradora de Campinas (SP), Maria Elza sustenta sozinha seus filhos de 24 e 36 anos, além de quatro gatos. A esperança dos três é conseguir uma recolocação nos próximos meses com a abertura de vagas temporárias para as vendas de Natal.

“Economizo tudo que posso. A gente consegue comer por causa de doações de vizinhos e da igreja porque mal consigo ir ao supermercado com esses R$ 250”, conta.

Com o dinheiro do auxílio, ela paga as contas de água, luz e gás. “Aí se sobra alguma coisa eu compro as misturas, mas é uma de cada vez”.

Maria Elza diz que “carne não sabe o que é há muito tempo”. A família tem se virado com ovos, salsicha e, quando dá, frango e calabresa. “Quem mais sente essa alta de preços somos nós, os mais humildes”.

Na semana passada, Maria Elza caminhou cerca de duas horas até o Ceasa para pegar frutas que foram doadas no local.

Apesar das dificuldades, Maria Elza se diz otimista com o futuro.

“Há anos passo dificuldade e luto para sobreviver com o pouco que tenho. Não gosto de depender dos outros, mas agora não tem jeito. Trabalho desde os 8 anos e vou continuar lutando para arrumar trabalho”, afirma.

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