Falésia do Cabo Branco avança cada vez mais em direção ao continente — Foto: Saulo Vital

O avanço do mar em João Pessoa, com especial ênfase às praias de Seixas e Cabo Branco, é uma realidade. A Falésia do Cabo Branco está em risco e não é de hoje. E o processo de erosão já começa a chegar para o meio da avenida, destruindo-a parcialmente e chegando em algumas partes cada vez mais perto das construções localizadas do outro lado da via. Para completar, especialistas alertam para a pura incapacidade de se frear totalmente o processo de erosão de uma falésia viva (como é o caso pessoense), num cenário que se torna ainda mais problemático por seguidas gestões da Prefeitura de João Pessoa não enxergarem o fato dessa forma.

A situação é crítica. A ponto de pesquisas apontarem que em mais algumas décadas o mar poderá avançar a tal ponto que vai chegar aos bares localizados no Cabo Branco, ao Bosque dos Sonhos e a equipamentos históricos e turísticos como o Farol do Cabo Branco e a Estação Ciência, por exemplo, que poderão desaparecer. Não será um avanço sincrônico, e diferentes partes da orla seriam atingidas em diferentes épocas das décadas seguintes, mas os pesquisadores que se debruçam com a questão alertam que a cidade e a população já deveriam estar discutindo todo o problema de forma séria e técnica.

Um dos alertas parte do professor Saulo Vital, do Departamento de Geociência da Universidade Federal da Paraíba, que é especialista em geomorfologia. De acordo com ele, a Falésia do Cabo Branco “está passando por um processo de erosão que em grande parte é natural”, mas que tem o seu processo acelerado por causa de “interferências humanas”.

“Trata-se de uma falésia viva que passa por um processo inevitável de erosão. Em meio a uma cidade que foi mal planejada e a um aquecimento global que faz o nível do mar subir. Tudo isso impacta”, explica Saulo Vital.

Bares e outros estabelecimentos do Cabo Branco também estão em risco — Foto: Saulo Vital

“O Farol do Cabo Branco é um equipamento fadado a ruir. Se o processo continuar neste ritmo, vai cair”, atesta Saulo Vital.

O pesquisador defende um estudo interdisciplinar, envolvendo universidades e órgãos públicos, que produza um relatório completo a partir de audiências públicas para se chegar a um consenso sobre a questão. Algo que, segundo ele, não vem acontecendo há muitos anos.

Saulo relembra ainda que o último estudo sério sobre a erosão na Barreira do Cabo Branco feita pelo poder público remonta de 2006, mas que esse foi completamente ignorado pelas gestões municipais seguintes. E que, a partir daí, os governantes simplesmente não se mostram simpáticos a diálogos com pesquisadores da universidade.

“O que acontece atualmente são intervenções sem nenhum tiro de orientação”, lamenta.

Como exemplo, ele cita o enrocamento construído na gestão do ex-prefeito Luciano Cartaxo, quando foram colocadas pedras na base da falésia com a justificativa de que isso impediria o avanço do mar. Algo que, de acordo com Saulo, não se aplica. Piora a situação e provoca problemas adicionais que não foram previstos pelas autoridades públicas. “O enrocamento é terrível do ponto de vista dinâmico e do ponto de vista visual. Perturba o ecossistema e a beleza cênica do local”, opina.

Depois, ele comentou sobre a ideia do atual prefeito Cícero Lucena, que agora quer alargar a faixa de areia das praias paraibanas seguindo um modelo de Balneário Camboriú, em Santa Catarina. “Eles dizem que existe uma parceria com a UFPB, mas os professores não foram consultados. Até hoje não sei quem está por dentro disso”.

Mais uma vez, ele atesta a ineficiência da obra: “Essas intervenções podem modificar o ecossistema. Podem parar a erosão em certo nível, mas aquilo vai precisar ser constantemente realimentado, algo que vai se tornar caríssimo”.

Além disso, muito por causa da corrente marinha e pela pura incapacidade de se parar o fluxo das marés, intervenções na orla vão invariavelmente afetar uma outra área. Conforme pesquisas de Saulo Vital, sempre ao Norte.

“Faz-se uma intervenção no Seixas e se interfere no Cabo Branco. Aí faz-se uma intervenção no Cabo Branco e se interfere em Tambaú. Depois em Manaíra, Bessa e assim por diante até se chegar em Cabedelo”, exemplifica.

O pesquisador alerta ainda para o que ele chama de “erosão continental”, que vem se mostrando até mais agressiva do que a erosão marítima e que é provocada por uma cidade mal planejada e que não respeitou suas áreas verdes. Ele explica que, por exemplo, as pistas de asfalto colocadas perto dos limites da barreira impedem que a água da chuva seja absorvida de forma uniforme pela terra e que, ao contrário, ela escoe se concentrando nas margens, intensificando o processo erosivo.

A saída inevitável

O professor e pesquisador Saulo Vital destaca que há um consenso entre os estudiosos das áreas de Geografia e de Geociência de que tem que haver um “processo planejado de descoupação da área”. Pode parecer uma medida drástica, mas ele explica que as intervenções realizadas pelo poder público, além de não resolverem o problema, estão acelerando-o.

“É muito irresponsável fazer intervenções sem monitoramento. Existem intervenções que aceleram a erosão, pioram o processo”, adverte Saulo.

Ele faz parte de uma equipe multidisciplinar de especialistas que desde 2018 vêm monitorando a área próxima da falésia e acompanhando o ritmo periódico de erosão que vem acontecendo no local. Um trabalho que ele julga importantíssimo e que em poucos meses, quando finalizar o quinto ano de coleta de dados, vai permitir uma projeção aproximada sobre quando cada marco físico em terra será alcançado pelo mar.

Segundo ele, não existe um interesse do poder público pelos estudos em curso.

“A gente está monitorando a área desde 2018. Analisando e acompanhando o ritmo da erosão. Mas ninguém se interessa pelos dados”.

Saulo comenta que é imperativo alertar as pessoas sobre a real dimensão do problema, se preparar financeiramente para as desocupações, proteger quem está sob risco de desmoronamentos e de outros tipos de prejuízos e acidentes graves.

“Os políticos preferem uma solução rápida, do que a ideal. É como no semiárido. O prefeito do município de interior prefere dar o carro-pipa do que reflorestar as margens do rio. Porque esse é um processo lento e que as pessoas não veem logo”, compara.

Por fim, o professor e pesquisador adianta que, nos próximos meses, uma série de artigos deverão ser publicados em “revistas acadêmicas de alto impacto” para apresentar o problema e para chamar a atenção inclusive da comunidade internacional sobre o que está acontecendo em João Pessoa. “A impressão que a gente tem é que as intervenções são feitas às cegas. Existe uma distância muito grande entre o poder público e a universidade”, finaliza.

O g1 foi atrás das partes citadas. A Secretaria de Infraestrutura da Prefeitura de João Pessoa explicou que o acompanhamento sobre a Falésia do Cabo Branco é de responsabilidade da Secretaria de Planejamento, e que da parte dela vem realizando obras pontuais para recuperar a calçadinha do Cabo Branco, afetada pelo mar. A Secretaria de Planejamento foi contactada, mas não deu retorno até última atualização desta matéria.

Foi tentado ainda contato com o ex-prefeito Luciano Cartaxo e com Daniela Bandeira, secretária de Planejamento da gestão Cartaxo, mas eles não foram localizados.

Com g1 Paraíba

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