Poucos dias depois do lançamento da nova coleção de camisas da seleção brasileira pela Nike em agosto, uma onda de postagens nas redes sociais chamava atenção para o fato de que uma série de palavras ligadas a religiões de matrizes africanas apareciam como “indisponíveis” no serviço de customização oferecido pela marca.
Internautas apontaram que, enquanto não se permitia que “Exu” e “Ogum” fossem inscritos nas costas da camisa, termos como “Jesus” e “Cristo”, por outro lado, estavam liberados.
Foi a discussão sobre possibilidade de a prática configurar discriminação religiosa que levou um funcionário público a enviar uma representação ao Ministério Público Federal (MPF) solicitando que o órgão apurasse o caso.
Por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro, o MPF se reuniu com a Fisia, distribuidora da Nike no Brasil, e no último dia 11 de novembro firmou acordo com a empresa.
A companhia se comprometeu a garantir que a política de marketing da marca – que proíbe a customização das camisas de times e seleções esportivas com palavras ligadas a temas religiosos – não seja praticada de forma a incorrer em discriminação religiosa.
Na prática, termos ligados a religiões de matrizes africanas seguem “indisponíveis” para os consumidores que quiserem customizar suas camisas – o que também passa a ser o caso para vocábulos relacionados a quaisquer outras religiões. As palavras “Jesus” e “Cristo” já haviam sido incluídas na lista de termos de uso vedado pouco depois de a polêmica ter surgido.
Segundo a procuradora da República Aline Caixeta, não cabia ao MPF questionar a política de marketing em si da empresa, por se tratar de uma determinação internacional. O esforço, ela afirma, foi o de garantir que não houvesse discriminação religiosa.
Nesse sentido, a empresa se comprometeu a “aperfeiçoar” a lista de termos proibidos e a criar um canal de comunicação para receber reclamações e alertas de consumidores.
“No curso da investigação também entendemos que era importante trazer esse debate para o espaço público”, diz Caixeta, referindo-se à ações e eventos para discutir e celebrar a diversidade religiosa que também constam no termo de compromisso.
Entre elas está a previsão de elaboração de um estudo sobre a diversidade no futebol, com ênfase em religião, gênero e raça, financiado pela Fisia e feito em parceria com o Observatório de Discriminação Racial do Futebol. O levantamento tem previsão de divulgação durante a Copa do Mundo de Futebol Feminina de 2023, que ocorre entre 20 de julho e 20 de agosto do próximo ano.
Também foi pactuada a inserção do tema na pauta de três eventos que serão realizados antes e durante a Copa. Um deles é a gravação de um podcast com o jogador Paulinho, do Bayer Leverkusen. Ao fazer um gol pela seleção brasileira olímpica em um jogo contra a Alemanha em Tóquio em 2021, o atleta comemorou fazendo um gesto em referência à flecha do orixá Oxóssi.
“Achamos que podíamos avançar, buscando essas medidas de reforço positivas para levantar a discussão pública sobre a diversidade religiosa, o respeito à diversidade e a tolerância.”
A camisa da seleção brasileira custa R$ 349,99 e customização com nome, R$ 14,99 adicionais.
A lista de termos “indisponíveis” no site da Nike vai além das palavras de cunho religioso e inclui vocábulos de cunho racista, palavrões e nomes de políticos.
A reportagem pediu à empresa que detalhasse como funciona o processo de decisão que define quais palavras são incluídas no rol de termos vedados e perguntou quantos termos compõem a lista atualmente. A Nike ainda não respondeu às perguntas enviadas – tão logo o faça, o posicionamento será adicionado a este texto.
Fonte: BBC