A Câmara dos Deputados rejeitou nesta quinta-feira (17), por 286 votos a 163, o repasse de 10% das verbas do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para vagas em escolas filantrópicas, comunitárias, confessionais (ligadas a igrejas) e do Sistema S (Sesi e Senai) no ensino fundamental, médio e profissionalizante. A proposta constava do texto de regulamentação do novo Fundeb, que seguirá agora para sanção presidencial.
Esse ponto foi a grande polêmica do projeto. O governo tem uma base religiosa forte e apoiava a destinação das verbas para as escolas filantrópicas e religiosas de todos os níveis – enquanto o consenso entre os partidos era essa destinação apenas onde não há vagas suficientes para atender a demanda, como creches e ensino especial. O ministro da Educação, Milton Ribeiro, por exemplo, é pastor presbiteriano e egresso de uma universidade confessional.
Num primeiro momento, a Câmara aprovou a liberação dos recursos para as escolas filantrópicas, por 311 votos a 131, mas o Senado rejeitou esse uso e restringiu as escolas públicas após pressão da sociedade. Grupos como o Todos pela Educação argumentaram que a mudança tiraria até R$ 12,8 bilhões por ano das escolas públicas e transferiria para as privadas.
Quando o tema voltou à Câmara, a pressão e as articulações políticas já tinham mudado o cenário. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tenta construir a candidatura de um sucessor com apoio dos partidos de oposição, reuniu seu grupo (MDB, Cidadania, DEM e PSDB) com os líderes de esquerda para votar o texto do Senado. Na votação anterior, esses quatro partidos apoiaram a destinação do dinheiro para as filantrópicas.
Parte da base do governo também amenizou sua posição. PP e PSD, que na votação anterior foram favoráveis a emenda, desta vez liberaram suas bancadas para votarem como quisessem. PSL, PL, Republicanos, Solidariedade e Novo repetiram o voto a favor nesta quinta-feira. Os partidos de oposição se mantiveram contrários à autorização para as filantrópicas.
A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) criticou a mudança. Disse que há um “preconceito com as escolas religiosas” e que apresentará um projeto tratando delas. “O que o Senado fez é um retrocesso. O Senado cedeu à pressão ideológica dos sindicatos, que jogou por terra um avanço que poderia modificar para muito melhor a educação brasileira”, disse.
Líder do Novo, partido que propôs a emenda hoje, o deputado Paulo Ganime (RJ) defendeu que a proposta não vai retirar dinheiro da educação pública, mas distribuir os novos recursos. “O SUS funciona nesse mesmo modelo. Tem deputados de oposição que criticaram a proposta, mas destinam suas emendas parlamentares para hospitais filantrópicos”, comentou.
O deputado Bacelar (Pode-BA), que foi presidente da comissão do Fundeb, rebateu que essa seria a “destruição da escola pública brasileira”. “Botem a mão na consciência, senhoras e senhores deputados. São 40 milhões de jovens que vocês estão colocando em risco para salvar entidades quebradas, que mal administradas chegaram a esse ponto”, afirmou.
O projeto regulamenta as regras aprovadas numa emenda Constitucional este ano que tornaram o Fundeb permanente, ampliaram seu uso para a educação básica e creches (de 0 a 5 anos) e aumentaram as verbas. Hoje o governo federal complementa em 10% o total de aportes dos Estados e, a partir de 2021, esse índice subirá gradualmente até chegar a 23% em 2026. A projeção é de que essas verbas subam de R$ 15,8 bilhões para R$ 36,3 bilhões.
O texto é necessário para explicar como se dará o repasse dos novos recursos. Parte será repassada a governadores e prefeitos proporcionalmente aos gastos por aluno de cada Estado e parte com base na evolução dos indicadores de atendimento e melhoria da aprendizagem, que foram agora detalhados nesse projeto de lei. O governo terá até abril para começar a realizar as transferências do Fundeb com base nessas novas regras.
Com Valor Econômico